terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ao vencedor,


Ora veja. Em geral é uma luta contra mim mesma.

Porque, de repente - de repente? -, me tornei cidadã do mundo (tão clichê quanto essa expressão pode ser) e me sinto culpada por isso. Porque sempre fui baiana. Invariável, entranhada, orgulhosamente baiana. Soteropolitana e nordestina. Agora, cidadã do mundo.

E nem sinto mais tanta vontade assim de amar Salvador e etc e tal. Uma luta contra mim mesma, porque eu tenho que amar Salvador e etc e tal. Ou tinha que. Cidadã do mundo.

E penso em ir embora. Penso mesmo. Uma luta contra mim mesma, mas penso em ir embora. Porque quero outonos. Outonos principalmente. Mas também o parque do Retiro, sanduíche de calamares e metrôs. Mas poderiam ser cafés na esquina, pão de açúcar, horizonte enevoado, Ipanema e Leblon de bicicleta, metrô e ônibus com ar-condicionado. Veja bem, poderia ser o lado de cá do Rio da Prata, teatro Solís, Mercado del Puerto, parrillada, chivitos, medio y medio e etc e tal. E outono. Lutando contra mim mesma, penso em ir embora e ser cidadã do mundo curtindo outonos.

E aquela baianidade, invariável, entranhada e orgulhosa, me parece até meio ridícula. Tão ridícula quanto o catalanismo, o paulistanismo, o recifenismo, o estadunidismo, o europeísmo. Ridículo, porque, veja bem, por que eu não posso querer estar em qualquer lugar do mundo?

Martírio, eu sei, mas cidadã do mundo.

E que vença o melhor.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Então imagino ruas vazias e desoladas, e uma tristeza naquele verão sufocante de que eu me lembro que eu andava com um short verde e uma blusinha creme, um vento quente, de sauna seca, sol forte e cabelos lisos, lisos. E às vezes vinham uns vendavais de areia e eu tinha que cobrir os olhos, mesmo como se estivesse no deserto. E as ruas, à hora da siesta, eram desertas mesmo, e eu esperava no ponto de ônibus que, não satisfeito em me mostrar o tempo que faltava para passar o 14, vez ou outra falava: -Autobus línea catorze, dos minutos. E eu lia o que estivesse lendo, ou ouvia Drexler, e passava as mãos nos cabelos, que é isso que eu faço mesmo, o tempo todo, tomando água com gás Vichy Catalana e, incansavelmente, suspirando.


Como Madrid deve estar sentindo a minha falta...

A gente acha que a gente muda – ou que a gente sente – e o mundo muda – ou sente – conosco. Eu, por exemplo, tenho essa ideia de que Madrid morre de saudades de mim.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Vocês veem: um blog que era pra ser um blog de viagens, virou um blog de saudades...

Outras Viagens...

Funny thing.

A vida é várias viagens. Varíssimas viagens.

Anteontem me deu uma maluquice qualquer - e não foi a primeira vez - e fui procurar na internet a minha família dos tempos em que morei na Inglaterra. Uma mãe, um pai e duas crianças. Eu, a babá das duas crianças.

Achei.

Esquisito.

A coisa é que achei através da au-pair que trabalhava lá com eles antes de mim. Ela manteve contato com eles, eu não.

Sei lá.

(...)

Sei lá.

Me arrependo.

Porque era boba mesmo e, aos 21, nem raciocinava o quão eles, aquelas pessoas, e não apenas aquelas experiências, faziam parte da minha vida. Porque eu fiquei lá um ano, aprendi a cuidar de crianças, vi acontecer o 11 de setembro, chorei, chorei, chorei, engordei, engordei, engordei, amadureci, amadureci, amadureci, vivi, vivi, vivi, mas nunca poderia ter perdido aquelas pessoas, porque aquelas experiências eu não vou perder nunca. Para eles foi um ano e mais uma au-pair que passou, para mim foi o primeiro ano fora de casa, a primeira vez na Europa, a primeira vez longe da família tanto tempo, a primeira vez gorda que nem uma porca, a primeira viagem sozinha Europa afora... Mas eu não poderia ter perdido aquelas pessoas.

Eles - aquela menininha de 5, e agora 15, anos; aquele menininho de 3, e agora 13, anos - são uma lembrança boa para mim.

Eu sou só mais uma lembrança apagada para eles.

I lost.

xxxx

sexta-feira, 25 de março de 2011

Añoranza

Vejam bem como é essa coisa de nostalgia:

Não sei exatamente do que sinto, não sou especial admiradora do povo espanhol nem nada, de lá gosto (muito) da comida e gosto (muito) do flamenco. Também é um país lindo, mas o é como tantos outros.

Mas a nostalgia...

Eu voltei a malhar. Várias vezes eu olhava pro meu tênis de corrida, que, por última vez, havia sido usado para correr no parque do Retiro, e pensava que, quando eu voltasse a correr ele ia terminar por soltar o que (de mim?) nele havia ficado impregnado: a terra batida do chão do parque, a poeirinha, as folhas secas de outono, os insetos, os cocôs de cachorro, a saudades de uma Madri que existiu para mim, dentro de mim, por um tempo.

E eu sempre recebo e-mails da biblioteca que eu frequentava em Barcelona. Eles vêm em catalão e dizem, sempre, que vêm "De: Llegir sempre surt a compte”, com o "Assunto: Descomptes Biblioteques de Barcelona”. Eu não entendo – ou, sequer, leio – o que vem no corpo do e-mail, mas deixo lá na minha caixa de entrada, sempre, até que chegue um novo e-mail "De: Llegir sempre surt a compte", com o "Assunto: Descomptes Biblioteques de Barcelona" e eu apago o mais antigo, deixando lá o mais novo.

Eu sigo lendo livros em espanhol e não tenho vontade de voltar a ler literatura escrita em português.

Eu me programo durante a semana para comprar os ingredientes e, finalmente, fazer a experiência de cozinhar uma paella esse final de semana.

Eu voltei para as classes de flamenco, mas fico perambulando de escola em escola aqui em Salvador para ver qual método de ensino é mais parecido com a forma como eu aprendia flamenco por lá.

Eu desejo que o outono soteropolitano tenha qualquer coisa, qualquer coisinha de amarelo, e fico feliz quando vejo o vento balançar uma árvore e uma ou outra folhinha cair, seca.

(…)

A poeirinha na sola do meu tênis já soltou. É um tênis com terra, folhas, cuspes e cocôs de cachorro genuinamente brasileiros.

Os e-mails seguem na minha caixa de entrada, sabe Deus quando – e se um dia – terei vontade de apagá-los.

Esse blog continua aqui, para que eu possa chorar no seu ombro quantas e quantas vezes eu sentir saudade.

Olé.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Um dia

Um dia eu vou parar de sentir o cheiro do meu protetor solar e me lembrar de Madri. Um dia as minhas malas estarão todas desfeitas e eu não vou precisar puxar do seu fundo roupas aleatórias que ainda têm o cheiro de Madri. Um dia eu vou digitar no meu navegador uma letra qualquer, para chamar um site qualquer, e o “el tiempo en Madrid”, o “El País”, o “madrid.salir” ou o “guia del ócio de Madrid” não serão mais as primeiras opções sugeridas. Um dia eu vou acordar e não vou ter mais este sentimento de que a ordem normal das coisas seria se agasalhar e ir tomar um café na esquina antes de começar o dia. Um dia eu vou voltar a ser mais uma motorista displicente e irritada no trânsito soteropolitano. Um dia eu não sentirei mais tanta falta de tomar um chá com leite achando que o clima é apropriado para isto. Um dia eu pararei de procurar calamares no cardápio do restaurante espanhol de Salvador e vou passar a achar gostosa a sua paella feita com arroz parboilizado. Um dia eu paro de me arrepender de não ter trazido mais souvenires, um avental de flamenquita, de não ter acordado mais cedo todos os dias. Um dia eu paro de procurar grandes museus, shows e exposições na programação cultural de Salvador.

Um dia eu volto para definitivamente.

Um dia.


*****

Este é um blog de viagem. Desta viagem. No dia em que esta viagem se acabar dentro de mim, se acaba o blog também.

Mas só nesse dia.